ATÉ A VULCABRÁS?

Quando publiquei duas colunas – (Brasil está avançando, leia aqui e Indústrias de calçados brasileiras – multinacionais? leia aqui) - alertando sobre a possibilidade do movimento de transferência de indústrias brasileiras de calçados para o Paraguai, em função de  grandes economias que isto representaria, houve vozes discordantes contra esta movimentação.

Concordo plenamente com os que discordam e, longe de mim, advogar um movimento neste sentido. O que isso significaria? Significaria preservação das indústrias e a destruíção dos empregos. E depois? O Brasil já começa a ver os primeiros sinais de desindustrialização e que seriam cada vez mais nítidos e ameaçadores. Entretanto, qual o empresário que pode resistir a ter uma economia de 135 %  no custo de mão-de-obra e zero, repito zero, de qualquer imposto caso o produto seja exportado. Esta isenção vale também para importação de matéria-prima e insumos necessários para esta produção.

Não é portanto nada para se estranhar a entrevista que foi concedida pelo presidente da Abicalçados – Associação Brasileira de Indústria de Calçados e também presidente do grupo Vulcabrás (Azaléia, Olympikus, Reebok), senhor Milton Cardoso ao portal iG no segmento Economia, dia 9.11.2010 e que, curiosamente, passou despercebida e foi muito pouco comentada.

Nesta entrevista senhor Milton Cardoso declarou abertamente: “Não haverá alternativa viável para a expansão internacional das nossas marcas a partir de uma produção no Brasil, com a manutenção do câmbio neste patamar”. Plenamente de acordo. Mais adiante senhor Cardoso afirmou, que a exportação só será viável a partir das unidades de produção fora do Brasil. O que não foi dito, mas pode ser tranquilamente subentendido que estas exportações podem incluir até um país chamado Brasil, onde o calçado brasileiro feito além fronteira irá concorrer com calçado produzido no Brasil e com uma vantagem nada desprezível!

Aliás, neste ponto nada há de novo. O saudoso Nestor de Paula levou a Azaléia para a China, há uns dez anos atrás, já prevendo a evolução do mercado global neste sentido. E só a morte dele precipitada por um câncer interrompeu a execução deste plano, na época revolucionário, mas que atestou a grande visão empresarial que possuía. Será que o Nestor levou Azaléia para China para vender calçado aos chineses?

Naturalmente, o problema da indústria de calçados no Brasil não se restringe somente ao problema cambial. Tributação excessiva, crédito caro, infra-estrutura precária, leis trabalhistas antiquadas e outras leis protecionistas que, principalmente na geração mais jovem, promovem ócio sob o pretexto de sanar os males do desemprego etc. etc. etc.

Falo sobre o auxílio desemprego, que está sendo abusado de todas as maneiras. Depois de seis meses de carteira assinada o empregado pede para ser mandado embora, para fazer jus ao salário desemprego, já com outro sub-emprego em vista, sem ser registrado, mas auferindo duas rendas – do trabalho e do auxílio desemprego. Deterioração moral começa nos mais altos escalões do governo e dos nossos politiqueiros. Com que direito podemos censurar os pobres, que também querem tirar a sua lasquinha neste festival de imoralidades?

Não sei como qualificar a entrevista do senhor Milton Cardoso. Apelo? Desabafo? Desespero? Ou, talvez, um registro para história de que algo se disse ou se fez para chamar atenção das autoridades? Porque a experiência ensina, que de prático não vai acontecer nada. Antes pelo contrário. O episódio dos navios carregados de soja, que foram convidados a dar meia-volta e voltar ao Brasil, porque no embarque anterior foram encontrados alguns grãos de soja transgênica, nunca foi muito comentado, por ter sido vexatório demais.

Não se tratava de grãos transgênicos. Tratava se da baixa violenta da commodity na Bolsa de Chicago e o contrato ficou desinteressante para a China. Agora, com calçados, o espetáculo mal começou. As exportações diretas da China baixaram em 60%. Em compensação, assim de repente, triplicaram as importações de Vietnam, Malásia e Indonésia. O governo da China por enquanto se finge de morto. Mas não nos enganemos. A paciência, embora baseada em ensinamentos do Confúcio, também tem seus limites. Vamos ver o que acontecerá desta vez, quando o governo chinês, hoje o parceiro comercial número um, vai fechar a cara.

E segundo declarou senhor Milton Cardoso, ao nosso governo será solicitado a estender as medidas protecionistas aos três países acima mencionados. Só nos resta esperar. De uma coisa podemos ter absoluta certeza - que o ano de 2011 será cheio de surpresas.

Zdenek Pracuch
31/01/11